A violência instalada no Rio de Janeiro representa muito
mais do que os números conseguem mostrar. A consequência de uma política de
segurança pública absolutamente ineficiente e que reproduz a lógica de guerra,
traz também consigo as consequências comuns dos conflitos armados que se
espalham pelo mundo: os traumas e danos psicológicos para além das marcas físicas.
De acordo
com estudos do Instituto de Psiquiatria da UFRJ, hoje no Rio há mais de 550 mil
pessoas sofrendo de estresse pós-traumático, sendo que 97,6% dos casos de
Transtorno do Estresse Pós-Traumático (TEPT) não são identificados em exames
clínicos convencionais. Portanto, mais de 530 mil pessoas que sofrem desse mal
no Rio não são diagnosticadas.
Outros
levantamentos mostram que 88,7% da população do Rio já foi exposta a algum
evento traumático ao longo da vida. Nada menos do que 63,8% vivenciou
diretamente esses traumas, como assaltos, agressões, estupros, sequestros,
torturas e ameaças.
Assim,
famílias como a da menina Maria Eduarda, morta dentro do colégio, dos meninos
de Costa Barros, alvejados por centenas de tiros, da Luciana Novaes, atingida
por um tiro dentro da faculdade, da Thayane, baleada em Realengo e hoje numa
cadeira de rodas, do pedreiro Amarildo, desaparecido até hoje, do pequeno
Artur, atingido por um tiro de fuzil dentro do ventre da mãe, e de tantas
outras, foram marcadas para sempre.
Nesse
contexto, prestar assistência psicológica é dever mínimo de um Estado que
insiste em reproduzir uma lógica violenta e ineficaz de segurança pública,
vitimando civis e policiais, igualmente reféns dessa estrutura, lidando com
consequências psíquicas catastróficas.
O que
sabemos é que o trauma é revivido pelas famílias e vítimas minuto após minuto,
diariamente, por anos. Algumas evitam lugares, pessoas e situações que trazem
consigo a lembrança do drama vivido, enquanto outras carregam permanente
sentimento de culpa, irritação, insegurança e, em muitos casos, depressão.
Não há
dúvidas, portanto, que é preciso transformar esse cenário de barbárie para
construir uma sociedade mais justa e solidária, que produza memórias e
cotidianos de dignidade. Mas, enquanto tudo está fora da ordem, que se garantam
os tratamentos adequados para permitir que sonhemos e continuemos para um outro
amanhã.
João Tancredo é advogado
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