A Tocha chegou e, de alguma forma, há uma tentativa de
acender o espírito de euforia na população, por estarmos recebendo, pela primeira
vez, o maior evento do mundo. O problema é que não há motivo nenhum para
comemoração. No Rio, sede do evento, milhares de trabalhadores estão sem
receber salários, pacientes agonizam nas filas dos hospitais e as escolas estão
sucateadas. A amarga cereja do bolo foi a queda da ciclovia em São Conrado matando duas pessoas. Portanto, não parece haver motivo para celebrar nada,
pelo contrário, essas perdas despertam indignação pela falta de fiscalização do
poder público,que insiste em passar a imagem positiva, camuflando e agravando
problemas críticos da cidade. Um desrespeito a todos os cidadãos.
Depois de percorrer o país, o símbolo maior da competição
chegará ao Rio de Janeiro e seria interessante incluir no trajeto da passagem
da tocha, os escombros da ciclovia, hospitais e escolas desvalorizados para
mostrar ao mundo a realidade brasileira. A obra de R$ 45 milhões que, em menos
de quatro meses, desabou é o símbolo do que os grandes eventos trouxeram para o
país: urgência em detrimento de obras de qualidade.
A negligência do governo é clara, começando por assinar
contrato com uma empresa envolvida em uma Ação Civil de Improbidade
Administrativa por superfaturamento em contrato com o governo do Espírito
Santo. Como se não bastasse, elegeu a empresa para gerenciar sua própria obra,
tendo a atribuição de prestar contas daquilo que ela mesma realizaria. Por
óbvio, não fiscalizou como deveria.
A tragédia não só coloca em xeque toda a construção, mas,
também outras obras que estão sendo realizadas a toque de caixa por conta do
tempo. Já temos a Vila do Pan que está literalmente afundando, mas parece que
isso não serve como exemplo e em sinal de alerta para aqueles que estão à
frente do processo.
Embora afirmem que os jogos deixarão muitos legados, seria
muito mais importante que investimentos fossem direcionados para interesses
efetivos da população. O aporte de R$ 40 bilhões, sendo cerca de 40% vindo dos
cofres públicos para um evento de pouco menos de 30 dias, é aviltante em um
país sem infraestrutura de transporte, saúde e educação.
Não há herança que explique a opção pelo evento em
detrimento da dignidade de milhões de brasileiros. Legado para quem?
João Tancredo é advogado especializado em responsabilidade civil
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